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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Carta aos Artistas da Dança, por Daniel Kairoz

São Paulo em meio ao frio o sol consola o dia dezenove de agosto de dois mil e treze.
 
 
Caros artistas da dança,
 
falo em nome de Daniel Kairoz. Não falo por mim, mas pelo que represento.
 
Um desconhecido para a maioria de vocês. Um jovem coreógrafo para aqueles que já ouviram este nome. Um nome a se desconfiar para muitos. Um coreógrafo que transita e articula diferentes campos para aqueles que me conhecem minimamente.
 
Como sabem, em Assembléia fui votado para integrar e representar a dança no Conselho da Cidade de São Paulo e isso não foi uma vitória minha, mas uma conquista da dança.
 
Conquista da dedicação e do empenho dos movimentos A Dança Se Move, Mobilização Dança e da Cooperativa Paulista de Dança.
 
Conseguimos nos fazer ouvir. Construímos juntos um espaço de ação. E isso é só o começo.
 
E não só o começo, como também a continuidade. Há ao menos uma década, artistas da dança vem se mobilizando e se articulando para conseguir instaurar políticas públicas para a dança em São Paulo. Um bom exemplo é a Lei de Fomento à Dança, uma conquista dessas lutas, dessas mobilizações.
 
Após a ignorante (por ignorar-nos) e infeliz escolha da coreógrafa carioca Deborah Colker para ingressar no Conselho da Cidade, nos reunimos afim de juntos elaborarmos um posicionamento e consequentemente um gesto com relação a esta infeliz ignorância.
 
Decidimos por exigir uma cadeira no Conselho para alguém que fosse escolhido pelos próprios artistas da dança da cidade de São Paulo. Inicialmente três nomes foram escolhidos para sugerir ao atual prefeito, Fernando Haddad, a juntos integrarem o Conselho – Sandro Borelli, Sofia Cavalcanti e Daniel Kairoz. Talvez apenas estes três nomes justapostos pudessem representar a dança de alguma forma. Não por que cada um deles represente uma subcategoria dentro da categoria dança e juntos contemplassem categorias diversas, não por isso. Mas sim, pela impossível resolução e complexa articulação entre estes três nomes, entre três modos de pensar-fazer dança e política, não em uma unidade, mas em um complexo irresoluto em tensão que sustenta um campo potente de possíveis.
 
Nos chegou a notícia de que apenas uma cadeira nos seria concedida.
 
Aceitamos.
 
Não vi a votação como uma disputa, mas como um instrumento proto-democrático fácil para resolvermos um problema urgente: escolher apenas um dentre estes três nomes.
 
O nome mais votado foi o meu, Daniel Kairoz.
 
Não acredito que este nome represente a dança, nem este nem qualquer outro poderia representar a dança. Esta ideia de representação é um absurdo, um-que-fala-no-lugar-de-outro, isso é uma violência à democracia.
 
Me vejo ali no Conselho como uma porta de entrada para toda uma multidão que dança, me vejo como porta-voz. Porta-voz dos movimentos A Dança se Move, Mobilização Dança, Cooperativa De Dança e de todos aqueles que se aproximarem. Preciso de  todos vocês ali comigo! De todas estas outras vozes. Não quero nem posso falar sozinho ali. Agora falo por mim. Serei este meio de comunicação, este habitante dos limites que leva e traz, que faz a ponte (link) entre lugares (sites) e assim pretendo, mercúrio que sou.
 
Para vocês não serei um representante, não posso ser. Porém ali no Conselho serei visto como aquele que os artistas da dança escolheram para falar-em-nome-deles, e só posso estar ali, se vocês estiverem junto comigo. Não falarei em nome de ninguém, mas portarei vossas vozes. Me dedicarei a colocar a dança em articulação com os demais campos do conhecimento humano e do fazer humano – educação, arquitetura, urbanismo, religião, política, filosofia, cinema, etc. Por transitar por diversos campos pressinto que o mínimo que posso fazer ali é este reposicionamento da dança e sua necessária articulação no espaço público (polis).
 
E o que represento? O que significa esta escolha? O que diz este fato?
 
Estamos vivendo um momento de rupturas (e reativamente de forças extremamente reacionárias) e aberturas da temporalidade (e consequentemente de fechamentos). Há uma outra geração redesenhando a paisagem histórica, uma geração a qual eu pertenço. Tudo o que está acontecendo agora no âmbito político é fruto de um momento histórico de convergências de diversas forças que vinham traçando diferentes caminhos e que agora oportunamente ao acaso se encontraram e trouxeram à tona toda uma problemática estrutural que vem fundamentando nossa organização sociopolítica de séculos.
 
Há dois pontos aqui que gostaria de pôr à luz deste texto.
 
Um. Para esta geração que chega, digo. Não podemos continuar re-produzindo esta ideia de estrutura que até então vinha imperando de forma hegemônica, enquanto fundamento, enquanto chão firme sobre o qual erguemos patamares verticais no sentido de “uma inserção desejante de um melhor posicionamento de si” (cito Felipe Ribeiro no filme Exgotamento). Não! Não nos deixemos seduzir pelos cargos de poder. É preciso rompermos com toda esta lógica ressentida cuja finalidade única é “ganhar o seu”, pagar suas contas, se divertir e se calar. Precisamos tirar fora o que ainda há de ressentimento no gesto crítico. Façamos da crítica um motivador à criação de sempre-outros critérios. Critérios condizentes com o contexto presente, que coloquem em crise o presente do contexto no sentido de uma sempre-abertura à geração por vir. Esta geração que agora chega não é o fim, é apenas a abertura para a geração que virá. As gerações estão sempre por vir.
 
Assim.
 
Dois. Precisamos sustentar esta abertura no tempo, não há nada para resolvermos. Não há resolução possível. Não podemos deixar que os movimentos sejam novamente estancados e congestionados. Me pergunto: Como elaborarmos uma coreografia que faça da estrutura uma abertura infinita aos movimentos precisos?
 
O meu nome ter sido o mais votado me soa apenas como um sintoma deste momento. E agora cabe a mim permitir uma articulação dos tempos.
 
Convido através desta carta, a Sofia Cavalcanti e o Sandro Borelli a serem meus conselheiros, a estarem mais próximos de mim nesta Cadeira que não é minha, mas da dança.
 
Eles tem a experiência que não tenho. Anos de dedicação à dança, à construção de um espaço para a dança nesta cidade, e junto com outros artistas, vêm traçando os caminhos políticos de um reposicionamento da dança no contexto de política cultural de São Paulo. Há toda uma experiência que precisa ser continuada, desdobrada e levada ao limite.
 
Convido também todos os artistas da dança que até então se sentiam sem cabimento nas discussões políticas e artísticas da dança, a adentrarem e criarem juntos este espaço. O espaço nunca existe como um a priori, precisamos sempre construí-lo, juntos, caso queiramos evitar toda uma problemática que o sistema de representações instaura (deixo que o outro fale e faça por mim, me isento da responsabilidade, pois já votei, já elegi, já abri mão do meu poder. Porém reclamo que o que está sendo construído não me diz respeito.)
 
Proponho um cronograma de encontros mensais nossos (A Dança se Move, Mobilização Dança, Cooperativa Paulista de Dança, e todos que desejem estar) para discutirmos tudo o que nos for urgente e onde eu possa compartilhar com vocês as reuniões do Conselho. Que já tenhamos de antemão estas datas para nos organizarmos e fazermos deste um espaço poélítico.
 
Por um espaço de invenção a fomentar nossas criações artísticas enquanto gestos políticos no mundo!
 
Se desejamos uma outra-política (pois esta que opera desde há muito não nos cheira bem), se desejamos o que o Fernando Haddad chamou de política com “P” maiúsculo (poderíamos questionar esta maiusculinidade do “P”, mas deixemos para outra ocasião), precisamos dentro da nossa organização conduzir os modos de ação e de discurso a se aventurarem por caminhos desconhecidos. Não como bandeirantes, mas como poetas. Só assim conseguiremos sustentar as aberturas e manter em movimento os fluxos de invenção. Fazendo com que coincida o gesto político e o gesto poético.
 
O poeta enquanto aquele que almeja o impossível. Que dá a ver o invisível, que dá a escutar o inaudível, concatenado com o político, aquele que atua no campo dos possíveis, que atua no espaço público, na polis. Que leva o gesto poético à público. Elaborar uma articulação irresoluta entre o possível e o impossível, sem uma solução final, mas que abra os caminhos à política por vir.
 
Se falam que existe diálogo em São Paulo, se este é o slogan político da atual gestão, façamos desta fala acontecimento, elevemos o diálogo à infinita potência. Dialoguemos ao extremo e transmutemos o diálogo em conversa infinita.
 
Isso em si já é um ato político, ato de uma força avassaladora. Afinal, quem está disposto a uma conversa infinita nestes nossos tempos? Quem está disposto a sustentar o campo dos possíveis aberto sem uma solução final?
 
Quando falo em transmutar diálogo em conversa infinita, proponho este gesto no sentido de desfazer o que há de dialético e dialógico no diálogo. Uma conversa que sustente as diferenças ao invés de re-solvê-las.
 
Um diálogo que articule os mais diversos discursos sem um denominador comum, sem uma unidade, sem uma síntese, mantendo irresolutas suas diferenças, já passou de diálogo, já se projetou no espaço infinito do outro. Se fez conversa infinita.
 
Estas palavras podem soar delíricas, utópicas, insanas e isso não me parece um problema, pois uma conversa infinita é o mínimo que podemos esperar de um Conselho da Cidade de São Paulo e deste momento histórico que estamos vivendo. Menos que isso é nada!
 
Não sei o que será deste Conselho, não sei da força que ele terá. Mas não deixa de ser um espaço proposto pela atual gestão onde podemos gestar gestos, articular pensamentos e ações ali no tête a tête com o poder. E isso pode ser imenso. Só depende do nosso gesto em deixar que isso assim se dê. Cabe a nós, fazer desta abertura uma abertura e sustentá-la como tal.
 
Enquanto um convidado que haviam esquecido de convidar e que por isso chega atrasado na reunião, tentarei me articular com aqueles que participaram das duas primeiras reuniões já acontecidas do Conselho da Cidade e chegar minimamente informado de onde estou entrando, onde estou pisando. O que já foi discutido, elaborado, etc.
 
Ainda ouço demais minha voz nesta carta, mas a partir de agora, desejo que minha voz se faça múltipla e difusa, emaranhada às vossas vozes.
 
Mando notícias. E aguardo respostas com relação às propostas que coloquei aqui.
 
deixo aqui meu e-mail para quem quiser se comunicar diretamente comigo: danielkairoz@gmail.com
 
Seguimos juntos
 
nada de mau se perdeu
nada de bom foi em vão
uma luz ilumina tudo
mas deve haver mais
Arseni Tarkovski

Daniel Kairoz.

 

2 comentários:

  1. Daniel, sua carta me alegra, estimula e dá confiança. Boa sorte a vc, a nós, a dança, a arte, a conversa infinita, a não representacão, a não homogeinização, a nao hegemonização, a criação de uma cultura política que atenda as exigências desse momento, sorte ao que virá

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